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Aumento de tributos em decorrência da Inflação – Princípio da legalidade Tributária

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12 Outubro | 2021

Não há dúvida que o monstro da inflação afeta significativa o dia a dia do cidadão, seja seus efeitos no próprio bolso, ou no desemprego provocado pela recessão, agravado pela inflação que já começa a assolar o pais. Nesse breve estudo abordaremos os aspectos e efeitos fiscais da inflação sobre as demonstrações contábeis das empresas e, consequentemente, sobre seu lucro tributável, podendo aumentar significativamente a carga fiscal das sociedades.

Considerações iniciais:

a) Conceitos contábeis

Preliminarmente, para compreendermos os efeitos da inflação sobre os balanços, temos que entender alguns conceitos e o próprio objetivo da contabilidade. Essa antiga ciência, tem como objetivo principal, além de outros, apresentar ou melhor, demonstrar o patrimônio líquido existente de uma entidade em um dado período. Entende-se, resumidamente, que patrimônio líquido é a diferença entre os bens e direitos deduzidos das obrigações de uma pessoa jurídica.

Infere-se, portanto, que a contabilidade deve contemplar todos os fatos contábeis, sejam eles financeiros ou econômicos, que possam afetar de forma significativa o patrimônio líquido.

Não há dúvida que em uma economia inflacionária, o poder aquisitivo da população fica significativamente afetado pois, aquilo que o cidadão compraria em um determinado mês com certeza precisaria desembolsar mais se a compra fosse feita no mês seguinte. Ora, se fica claro que afeta o “bolso” das pessoas físicas, obviamente devemos admitir que afeta de forma significativa o “caixa” de uma entidade e, por consequência o seu patrimônio líquido.

Dessa forma, como a contabilidade tem que registrar todos os fatos econômicos ou financeiros de uma pessoa jurídica, deve considerar, também, os efeitos da inflação em seu balanço patrimonial. Esses efeitos eram mensurados por uma sistemática denominada correção monetária de balanço.

b) Sistemática de correção monetária de balanço

A inflação no Brasil começou a tomar níveis alarmantes a partir da década de 1970. A legislação comercial, especificamente o artigo 185 da Lei n. 6404 (revogado pela Lei n. 7730/89), determinou que os efeitos da inflação deverão ser reconhecidos no resultado das sociedades anônimas.Em 1977, adaptando a legislação comercial à legislação do imposto de renda foi publicado o Decreto-lei n. 1598/77 que em seu artigo 39 determinou que os efeitos da modificação do poder aquisitivo sobre os elementos do patrimônio das empresas serão computados na determinação do lucro real.

A correção monetária de balanço tinha como objetivo calcular os ganhos e as perdas nos itens ativos e passivos monetários (circulante) do balanço da empresa decorrente da inflação nesses itens que não estavam indexados por índices oficiais.

Dessa forma, se uma entidade tem seu ativo monetário maior que seu passivo monetário, provavelmente terá uma perda, ou seja, correção monetária de balanço de natureza devedora - despesa. Caso contrário, se ativo circulante é menor que seu passivo circulante, provavelmente terá um ganho, uma correção monetária credora.

Devido a intensa movimentação nesses grupos de balanço, envolvendo saldo diário de vários itens, como: bancos, clientes, estoque, fornecedores, tributos a pagar, salários, empréstimos bancários, etc., e tendo em vista que o balanço é uma equação de igualdade (ativo=passivo), introduziu-se a sistemática de se corrigir o ativo permanente e o patrimônio líquido, cuja a movimentação é menor. Isso porque, se o ativo permanente é maior que o patrimônio líquido, implica dizer que o ativo circulante é menor que o passivo circulante, portanto, a sociedade terá um ganho, caso contrário, se o ativo permanente é menor que o patrimônio líquidoo ativo circulante é maior que o passivo e dessa forma a sociedade terá uma perda.

Nesse contexto, os estudiosos da contabilidade, concluindo que é mais fácil corrigir ativo permanente e patrimônio líquido devido a menor quantidade de itens estabeleceram este método de correção monetária de balanço.

Resumindo, estabeleceu-se que aplicando o índice de correção monetária que, necessariamente, deveria ser aquele que reflete a inflação de um período sobre os itens do ativo permanente e patrimônio líquido, se teria assim o resultado da correção monetária do balanço, ajustando o resultado do exercício em função de perdas ou de ganhos inflacionários.

Concluindo, se ativo permanente é maior que patrimônio líquido temos um saldo credor de correção monetária (receita) aumentando o resultado tributável. Caso contrário, se o ativo permanente é menor que o patrimônio líquido temos um saldo devedor de correção monetária, isto é, uma despesa, diminuindo as bases de cálculo dos tributos incidentes sobre o lucro.

c) Manipulação dos índices de correção monetária

Como já abordado nos itens anteriores, o balanço patrimonial deve refletir a real situação econômico financeira de uma Sociedade e se esta tem suas operações em um estado cuja economia está afetada por altos índices inflacionários, não resta dúvida que esses efeitos da inflação devem ser considerados nas demonstrações financeiras da entidade empresarial.

Os índices que foram adotados nas décadas de 1970 até meadosde 1995, objetivando refletir no balanço os efeitos da inflação foram na ordem: ORTN, OTN, BTN, BTNF, FAP e Ufir. Esses índices foram modificados em funções de tentativas dos governantes de conterem a inflação galopante através de diversos planos, dentre eles destacamos: Plano Bresser, Plano Verão, Plano Color, Plano real.

E a cada tentativa, os índices que corrigiam o balanço das empresas, o FGTS, dentre outros, eram manipulados pelo governo e não refletiram a inflação real daqueles períodos. Destaca-se, por exemplo, o Plano Verão, onde o índice que corrigia os balanços em fevereiro de 1989, a OTN, foi corrigida em 12,20%, enquanto que a inflação do período, calculada pelo IPC, chegou ao incrível patamar de 70,28%.

Ora, se a legislação comercial e a tributária determinavam que os efeitos da inflação deveriam ser considerados nas demonstrações financeiras, como houve manipulação dos índices fica patente e claro que o resultado, o lucro líquido daquele período inflacionário, não refletiu o seu valor real e, por conseguinte, as bases de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro ficaram significantemente afetados para mais ou para menos, dependendo do nível de capitalização da sociedade.

Esclarecendo, no caso do plano verão, se o ativo permanente da sociedade estivesse maior que seu patrimônio líquido a empresa estaria com seu resultado menor por volta de 58,08% (70,28% -12,20%), pagando menos tributos. Se, ao contrário o patrimônio líquido estivesse maior que o ativo permanente, a sociedade teria pago tributos a maior em torno de 58,08%.

Isso porque o resultado da conta de resultado chamada de “correção monetária de balanço” calculado aplicando-se a variação de 12,20% conforme OTN estaria prejudicado, pois se ela mensura o efeito da inflação, deveria ser adotado o índice do IPC – 70,28%.

d) Aumento de tributo sem lei autorizando – Princípio da legalidade

O princípio legalidade, determina, resumidamente, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei. No direito tributário esse princípio está no texto constitucional, transcrito abaixo:

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios:

I - Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.'' Art 150 CF.

Assim, o não reconhecimento dos efeitos na inflação sobre as demonstrações financeiras há flagrante aumento de tributo ferindo, dentre outros o princípio da legalidade tributária.

Demonstramos, a seguir, um exemplo prático do aumento da carga tributária em 2015:

  • a) Premissa de que os saldo finais de 2014 são os mesmos de 2015;
  • b) Inflação em 2015 – 10,6735%

Cálculo da Correção de balanço =R$ 3.360.860,32x 10,6735% = R$ 358.721,41

Efeito fiscal - Despesa de CMB – R$ 358.721,41 x 34%= R$ 121.965,28

Nessa estrutura patrimonial identificada, verificamos um aumento da carga fiscal de IRPJ e CSLL, para empresas tributadas com base no lucro real, na ordem deR$ 121.965,28.

e) Conclusão

Em nossa opinião, o não reconhecimento no balanço das empresas dos efeitos da inflação através de uma sistemática adequada, além do aumento ilegal de tributos, haverá uma descapitalização das empresas, pois a distribuição de lucros ou dividendos estará sendo feita com base em um resultado irreal.

Nesse contexto, as sociedades que se sentirem prejudicada por esses efeitos deverão procurar guarida no Poder Judiciário.

Gilmar Gomes de Souza
Advogado e Contador
Pós graduado em Direito tributário-UFPE
MBA – Direito Empresarial - FGV

 

 

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