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IRPJ e CSLL – o momento do reconhecimento de receita no indébito tributário

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02 Fevereiro | 2022

Opinião: IRPJ e CSLL – o momento do reconhecimento de receita no indébito tributário


 

Com o fim do julgamento da tese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, alguns questionamentos não enfrentados naquela ocasião começaram a surgir. Entre eles, encontra-se o momento em que devem ser reconhecidos os créditos fiscais decorrentes dessa exclusão para fins de incidência de IRPJ e CSLL, especificamente em relação ao regime de competência.

A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Solução de Consulta Cosit 92/2021, prescrevendo que os “créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado relativos a tributos pagos indevidamente devem ser reconhecidos na determinação do lucro real no período de apuração em que deve ocorrer a sua disponibilidade jurídica”.

Ao fim e ao cabo, vai de encontro do entendimento proferido anteriormente pela própria RFB na ADI/SRF 25/2003, que determina, em síntese, que:

1) Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído;

2) No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL: 1) na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução; ou 2) na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.

Diante desse pronunciamento, merece atenção a análise do momento temporal em que se considera ocorrida a disponibilidade do indébito tributário passível de compor as bases tributáveis do IRPJ e da CSLL, desde que o indébito tenha sido, em períodos anteriores, deduzido como custo/despesa nas respectivas apurações [1].

Por certo que o Direito Contábil, ao determinar fatores regulares para a realização das escriturações contábeis, traz o regime de competência como um fundamental componente. Trata-se de regra contábil utilizada para o reconhecimento de ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas ou despesas, desde que satisfaçam as definições e os critérios determinados pelas normas contábeis (CPC 26 (R1) — item 28).

Essas normas contábeis determinam, ainda, que o regime de competência deve refletir os efeitos de transações e de outros eventos econômicos nos respectivos períodos em que ocorrerem (CPC 00 (R2) — item 1.17). Além disso, traz as seguintes definições:

1) Receita: aumento no ativo que resulta em aumento no patrimônio líquido (item 4.68);

2) Ativo: recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados (tem 4.3), o qual só deve ser reconhecido quando certo (item 4.13), o que implica a confiabilidade de sua recuperação — potencial de produzir benefícios econômicos (item 4.4).

Portanto, a receita deve ser reconhecida a partir do momento em que houver um aumento de ativo e desde que haja tanto a certeza dessa ocorrência quanto à confiabilidade do benefício econômico trazido por ela.

Com isso, estar-se-á diante do princípio da realização, decorrente do regime de competência e que visa a alocação temporal de rendas. Também são integralmente aplicáveis, nesse caso, os princípios da continuidade, da prudência e da objetividade, os quais se desdobram nos elementos de mensurabilidade, liquidez e certeza da renda, requisitos que devem estar presentes para que uma receita seja reconhecida [2].

Esses princípios, ainda que contábeis, devem ser devidamente respeitados, uma vez que a legislação prescreve que a escrituração da pessoa jurídica deverá ser mantida por meio de registros permanentes, obedecendo aos preceitos da legislação comercial e dos princípios de contabilidade geralmente aceitos e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência (Lei 6.404/1976, artigo 177). Essa mesma legislação prescreve que, na determinação do resultado do exercício, serão computados as receitas e os rendimentos obtidos no período, independentemente da sua realização em moeda, ratificando que as mutações patrimoniais devem seguir o regime de competência (artigo 187, §1º).

Não obstante o Direito Contábil traga tais regras para o momento de reconhecimento de receitas, o Direito Tributário apresenta tratamentos próprios. Nesse sentido, não obstante as diferentes teorias econômicas existentes sobre a renda, é certo que o Direito positivo estabeleceu que renda é acréscimo patrimonial. E vai além, pois define um marco temporal por meio da disponibilidade econômica ou jurídica desse acréscimo patrimonial para que, somente a partir daí, possa ser apurado num certo período e, consequentemente, sofra a incidência da tributação. Ao fim e ao cabo, essa disponibilidade refere-se à realização da renda, o que corresponde à verificação da manifestação da capacidade contributiva da pessoa jurídica e que permite, desse modo, a incidência do IRPJ e da CSLL.

Pois bem. Seguindo as determinações da RFB, algumas considerações devem ser apresentadas. Primeiro, para se verificar o momento de reconhecimento de uma receita advinda de indébito tributário, devem-se levar em consideração as possibilidades que a legislação processual prevê e que são capazes de afetar o conteúdo do título executivo, impedindo que a pessoa jurídica obtenha benefícios econômicos em relação a uma decisão judicial favorável transitada em julgado.

E, certamente, não é no momento do “trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído” que um ativo deve ser considerado como definitivamente adquirido para ser reconhecido como receita. Isso porque, embora líquido, ainda está sujeito, por exemplo, à oposição de embargos à execução. Nesse caso, pela falta de definitividade sobre o valor do acréscimo patrimonial, resta ausente a disponibilidade acerca da renda para que ela seja reconhecida pela pessoa jurídica.

Quando ilíquida a sentença transitada em julgado, também não se pode aceitar como momento de reconhecimento dessa receita o do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução” ou a da “expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução” [3]. Isso porque, ainda que venham a ser liquidados os valores, existe uma gama de procedimentos administrativos que a legislação tributária impõe a uma pessoa jurídica para que se obtenha benefícios econômicos após o trânsito em julgado de uma ação judicial e sua respectiva liquidação.

Entre esses procedimentos, a pessoa jurídica pode optar por perceber os valores referentes à repetição de indébito por meio de precatório ou compensação (Súmula 461 do STJ).

Para o precatório, há problemas de ordem prática que irão impactar diretamente no momento de reconhecimento de uma receita: inadimplência estrutural da Administração Pública em relação ao cumprimento dos precatórios; dificuldade de quantificação do valor de mercado do precatório, já que, via de regra, as cessões de crédito e recebimento dos valores ocorrem com grande deságio em relação ao valor nominal do precatório; a possibilidade de o credor participar de um leilão, consagrando-se vencedor caso conceda o maior deságio sobre seu crédito com o Estado. Essas questões trazem à tona a falta de certeza sobre a renda, predicado esse obrigatório para que uma receita seja reconhecida e seja considerada disponível econômica ou juridicamente para, então, ser tributada.

Não obstante, em relação ao precatório, deixa-se claro que é a partir do momento de cessão de crédito para terceiro, pelo valor recebido pelo título, que se tem a definitividade, liquidez e certeza da renda que irá acrescer ao patrimônio da pessoa jurídica. Seria a partir desse átimo de tempo que a pessoa jurídica deveria reconhecer essa receita para fins de incidência de IRPJ e CSLL. Da mesma forma, quando não ocorrer cessão de crédito, aguardando-se o adimplemento pelo Estado, o momento de reconhecimento da receita passa a ser quando do empenho do montante a ser desembolsado pelo Estado, pois é a partir daí que se encontram preenchidos os requisitos que permitem a pessoa jurídica a ter a disponibilidade da renda.

Já em relação à opção pela compensação, há a necessidade prévia de habilitação do crédito, a qual deve ser solicitada pela pessoa jurídica junto à RFB para que essa se manifeste (artigo 74 da Lei 9.430/1996 e artigo 102 da IN-RFB 2055/2021).

Aqui, seria possível entender que, como houve a liquidação do indébito a ser repetido, esse seria o momento de a pessoa jurídica reconhecer o acréscimo patrimonial em sua escrituração para a consequente incidência do IRPJ e da CSLL. Porém, como o deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica o reconhecimento do direito creditório ou homologação da compensação (artigo 104 da IN-RFB 2055/2021), mas apenas a análise dos aspectos formais de sua constituição, entende-se que ainda não seria esse o momento de reconhecer essa receita, por falta de certeza e liquidez, não se tratando, assim, de renda disponível.

Correto seria, portanto, o reconhecimento quando da efetiva compensação dos créditos, por meio da transmissão da DComp. Nesse caso, realiza-se a compensação de um ativo com a eliminação de um passivo, utilizando-se um valor reconhecido judicialmente e habilitado perante a RFB. E mais, a compensação declarada à RFB extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação (Lei 9.430/1996, artigo 74, §2º). Logo, é a partir desse momento que se tem certeza e confiabilidade para o reconhecimento dessa receita, pois é definitiva e completa a existência do acréscimo patrimonial incorporado ao patrimônio do contribuinte.

Constata-se, de tal modo, que o ativo procedente do indébito tributário, para se tornar disponível econômica ou juridicamente, deve vencer alguns obstáculos antes de ser tributado, não sendo o trânsito em julgado o momento de reconhecimento do ativo advindo de decisão judicial em matéria tributária. Tanto é que a própria RFB publicou recentemente a Solução de Consulta Cosit 183/2021, trazendo o entendimento de que, “se no trânsito em julgado da sentença judicial não houver definição do valor a ser restituído e o contribuinte optar pela compensação desse indébito, será na entrega da primeira declaração de compensação que o indébito deve ser oferecido à tributação”.

A edição dessa nova solução de consulta permite inferir, em parte, que já se verifica um certo movimento da RFB em alterar o entendimento do momento de reconhecimento de receita do indébito tributário, até então consolidado pelo ADI/SRF 25/2003 e posteriores soluções de consulta. Espera-se, de fato, que esse movimento se consolide e que a RFB altere definitivamente seu posicionamento acerca do tema.


[1] RFB: Solução de Divergência Copsit 19/2003; Solução de Consulta Disit/SRRF/10ª 233/2007; ADI-SRF 25/2003, artigo 1º.

[2] POLIZZELLI, Vitor Borges. O princípio da realização da renda: reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 233-267.

[3] RFB: Solução de Divergência Cosit 19/2003; Solução de Consulta Disit SRRF/10 233/2007.

***

Por Leonardo Lucci, mestre em Direito Tributário (PUC-SP), especialista em Direito Tributário (PUC-SP), professor assistente no curso de especialização em Direito Tributário (Cogeae-PUC/SP), pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT) e advogado.

Revista Consultor Jurídico          

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